terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Lamarck (1809): o livro ao lado da Origem


Para mostrar o verdadeiro papel de Lamarck, ninguém poderia ter sido melhor do que Haeckel, no próprio prólogo da Filosofia Zoológica.

"... por dizer que durante um meio século, até que apareceu a obra de Darwin, não encontramos outro livro que possa, sobre este assunto, colocar-se ao lado da Filosofia Zoológica"  Haeckel

Apesar da sombra que foi imposta pelas ideias de Darwin, Lamarck apresenta a glória de ter sido o primeiro a elevar a evolução a altura de uma teoria científica independente, através de um livro que forneceu uma base sólida para a biologia da época (mas não necessariamente foi o primeiro evolucionista). Sobre este aspecto não há como não reverenciar o busto de Lamarck no Jardim das Plantas, nas cercanias do Museu de História Natural de Paris, com as palavras abaixo, o fundador da doutrina da evolução.

Claro que além das diferenças com o que entendemos como processos evolutivos, é também difícil ler o Filosofia Zoológica tendo que se confrontar com a visão progressista da escala zoológica que ele tanto se referia. Por exemplo a sua análise da série de degradação dos animais mais perfeitos para os mais imperfeitos. Claro que isto não era exclusividade sua, mesmo a leitura das obras mais significantes de Darwin, a Origem e a Descendência do Homem, fica um pouco arrastada pela visão extremamente progressista. Mas, além da sua enorme importância histórica, a obra merece ser lida antes de aceitar qualquer crítica que recebemos quando o assunto são os escritos de Lamarck.

A ideia central de Lamarck parece estar apoiada sobre a sua expressão de que as circunstâncias (o meio) influem sobre a forma e a organização dos animais. Não nos parece nada estranha esta concepção, sendo claro que os organismos são extremamente sensíveis ao meio, especialmente as grandes mudanças. Basicamente, suas ideias permeavam a adaptação, hoje com seu papel perfeitamente reconhecido, como a força motriz da evolução.

O problema da visão deste autor seria o papel das circunstâncias sobre os organismos, para ele a partir de mudanças no meio, ocorreria uma imediata resposta dos organismos, melhorando suas partes que de melhor maneira reagissem ao ambiente. Assim a necessidade faria com que seja adquirida a forma de maneira fortemente dirigida, e além disso as mudanças na forma em resposta ao meio poderiam ser passada a indivíduos entre gerações.

"Primeira lei
Em todo o animal que tenha passado seu desenvolvimento, o emprego mais freqüente e sustentado de qualquer órgão, fortalece gradualmente esse mesmo órgão, o desenvolve, o expande, e dá uma força proporcional à duração do seu uso, enquanto que se o padrão de uso constante deste orgão diminui, este deteriora, diminui progressivamente suas faculdades, e pode terminar por desaparecer.


Segunda lei
Tudo que a natureza fez ganhar ou perder aos indivíduos pela influencia das circunstâncias em que tenham ficados expostos por muito tempo, e por conseguinte, pela influência do emprego constante de suas partes, os orgãos se conservam para as gerações de novos indivíduos que vem, desde que as mudanças sejam adquiridas em comum pelos dois sexos, ou por aqueles que tenham produzido estes novos indivíduos"

O Filosofia Zoológica ainda é muito interessante por trazer o estado da arte da classificação zoológica, compilando sua série de tratamentos sistemáticos, como a divisão das poucas classes (hoje filos) animais que haviam sido reconhecidas por Lineu, ou o reconhecimento prático dos animais com base na presença de vértebras. Estes passos, ainda que muito fundamentais tiveram uma grandiosa importância ao seu tempo.

Pela internet é possível encontrar edições em francês, inglês e espanhol do Filosofia.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O artigo de Wallace (1855) e a biogeografia


"Nos últimos anos, no entanto, uma grande luz tem sido lançada sobre o assunto pelas investigações geológicas, mostrando que o estado presente da Terra, e dos organismos que atualmente a habitam, é apenas o último estágio de uma longa e ininterrupta série de mudanças por ela sofrida; consequentemente, tentar explicar e dar conta de sua condição presente sem qualquer referência a essas mudanças (como freqüentemente tem sido feito) deve conduzir a conclusões muito imperfeitas e errôneas."

Wallace, no seu artigo de 1855 (este artigo foi escrito antes da carta enviada a Darwin que fez parte do artigo de 1858 - a referência mais acurada para a seleção natural), apoia sua argumentação para a origem das espécies primariamente nos dados geológicos e geográficos, indo de encontro a visão de que o espaço e a forma evoluem conjuntamente no tempo. As mudanças temporais ocorridas na Terra, vistas por ele como contínuas, sucessivas, graduais, e desiguais, forjaram a correspondência na mudança dos organismos.

Wallace


A linha de argumentação do seu trabalho apresenta claramente um tom distinto da produção de Darwin até aquele momento, apesar de ambos compartilharem referências, experiências e ideias. Wallace claramente flerta mais com o que entendemos hoje como biogeografia, chegando mesmo a enumerar proposições da geografia da vida que suportam a evolução orgânica.

"3. Quando um grupo está confinado a uma região e é rico em espécies, o caso quase invariável é que as espécies mais proximamente aparentadas sejam encontradas na mesma localidade ou em localidades nas imediatas adjacências; portanto, a seqüência natural das espécies por afinidade é também geográfica"

Mais a frente, após discorrer sobre o padrão ramificado da diversificação das espécies, Wallace retorna para as questões geográficas, comentando sobre o papel da dispersão e das barreiras na formação dos padrões de distribuição.

Finalmente o trabalho parte para a discussão mais aprofundada do registro fóssil para trazer dados mais elementares que sustentam a sua teoria de surgimento de espécies. Lembro novamente que a seleção natural não é mencionada neste trabalho, apenas mais tarde na sua carta de 1858 (mesmo sem citar propriamente o termo), pós datando a sua lei de introdução de novas espécies.

Wallace é visto por muitos como o pai da biogeografia, devido as suas grandiosas e importantes contribuições para esta ciência, especialmente através do seus estudos da regionalização zoogeográfica do globo e das suas notações sobre ilhas. Mas uma observação mais interessante é que a geografia da vida apresentou uma influência muito importante nas suas conclusões sobre a evolução das espécies.

-Uma versão em português do artigo pode ser lida em: http://www.scielo.br/pdf/ss/v1n4/a05v1n4.pdf
-A carta de 1858 (inglês): http://www.plantsystematics.org/reveal/pbio/darwin/dw04.html